segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Medida do Banco Central acirra disputa em renda fixa

Reportagem de Rafael Vigna, com participação da Economista Simone Magalhães ao Jornal do Comércio hoje.

Novo pacote anunciado pelo Banco Central deve injetar mais R$ 25 bilhões na economia brasileira

A utilização dos depósitos compulsórios como ferramenta de política monetária tem sido empregada com maior frequência pelo Banco Central (BC) desde a implantação do Plano Real, em 1994. A alteração de alíquotas incidentes sobre o percentual dos volumes de operações das instituições bancárias está associada às tentativas de represar o nível de crédito na economia, a exemplo de 2009, ou à necessidade de abrir as comportas e inundar o mercado com maior liquidez em moeda. No entanto, a estratégia também traz seus reflexos para o mercado de renda fixa. Isso porque alguns instrumentos usados para a captação dos bancos, caso dos certificados de depósitos bancários (CDBs), necessitam de recolhimento compulsório e outros, como as Letras Financeiras (LFs), permanecem isentos.

Na semana passada, um novo pacote anunciado pelo BC deve injetar mais R$ 25 bilhões na economia nacional, por meio de concessões de crédito. Cerca de R$ 10 bilhões têm origem, justamente, nas mudanças nos depósitos compulsórios. Em julho, o BC já havia soltando uma série de medidas semelhantes com o objetivo de liberar mais R$ 45 bilhões.

Os compulsórios são exigências do Banco Central para manter certos níveis de segurança nos depósitos de recursos à vista (45%), depósitos a prazo (20%) poupança habitacional (20%), poupança rural (19%) e poupança (5%), além de um percentual sobre a posição vendida em câmbio nos mercados futuros. Isso significa, de maneira simplificada, que 45% do montante captado à vista não pode ser reinvestido pelos bancos em novas operações financeiras. Do mesmo modo, 20% do total retido em depósitos a prazo está impedido de ser aproveitado em novos empréstimos ao consumidor.

Conforme explica o professor do curso de Economia da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia da Pucrs Celso Pudwell, o Brasil é um dos poucos países que se utiliza dos compulsórios como forma de política monetária. Outras nações limitam a sua atuação ao controle das taxas de juros. Neste caso, o economista identifica uma estratégia híbrida por parte do Banco Central. “É uma política seletiva. Quando se eleva a Selic, sobem todos os empréstimos bancários. Uma forma de compensar isso e, ao mesmo tempo, continuar o combate à inflação é estimular as aplicações de longo prazo, como as Letras Financeiras”, avalia.

No início do Plano Real, por exemplo, os compulsórios sobre depósitos à vista eram fixados em 100% do total. A ideia, naquela ocasião, era retirar moedas do mercado. Desde então, dependendo da conjuntura econômica, as alíquotas de compulsórios são alteradas. Em 2008 e 2009, a ferramenta deu liquidez às instituições financeiras, em meio à crise do subprime norte-americano. Dois anos mais tarde, uma nova mudança retirou mais de R$ 71 bilhões em moedas no mercado, como forma de conter a euforia de consumo instalada no País.

Agora, as novas regras devem ampliar um cenário que já determina a perda de espaço dos CDBs frente à consolidação de novos instrumentos de captação bancária, como as Letras Financeiras. Ambos os papéis são emitidos pelas instituições finaceiras, mas o fato contribui para acirrar a concorrência entre bancos grandes e médios na disputa por mercados de renda fixa.

Evolução dos recolhimentos de compulsórios – alíquotas


Fonte Banco Central


Efeitos para o mercado de renda fixa e vantagens de captação para os bancos
Enquanto os CDBs estão enquadrados nas alíquotas de recolhimento dos depósitos a prazo, atualmente fixada em 20%, as Letras Financeiras (LFs) estão isentas de recolhimento dos depósitos compulsórios - o que torna a emissão mais atrativa.
O fato acirra a concorrência no mercado de LFs. Atualmente, os bancos de maior porte oferecem menores remunerações (chegando a 104% do CDI) do que os chamados bancos médios (que remuneram em até 110% do CDI, em razão dos riscos associados).
Os CDBs perdem espaços para os instrumentos alternativos de captação. Com perfil de longo prazo, LFs, LCIs, LCAs e DPGEs se tornam mais atrativas para a emissão bancária.

Isso ocorre mesmo que os CDBs possuam garantias do FGC em investimentos mínimos a partir de R$ 1 mil. Já nas LFs, o investidor precisa arcar com todo o risco de uma operação que exige aportes mínimos de R$ 150 mil para resgate em dois anos.
Com maiores volumes, os grandes bancos passam a contar com uma fonte mais barata de captação. A tendência é de que haja uma nova escalada nas emissões de LFs

Isenções favorecem emissão de LFs

O professor da Pucrs Celso Pudwell lembra que as Letras Financeiras (LFs) possuem prazo de 24 meses para o resgate e não contam com as garantias do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que cobre prejuízos de até R$ 270 mil no caso de falênciado banco. Ou seja, há um apelo maior para os investimentos em CDBs, mas os bancos conseguem capturar muito mais com a emissão de LFs e outros instrumentos que contam com a ausência de compulsórios. Por outro lado, os CDBs, principal instrumento de captação bancária por quase meio século, demandam recolhimento de depósitos a prazo equivalente a 20% das emissões.

Por isso, a modalidade perde, ano após ano, a participação frente aos chamados instrumentos alternativos de captação bancária, que ainda incluem papéis como as Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio (LCI e LCA) e os DPGEs.
Cenário favorece uma nova escalada dos estoques de Letras Financeiras

Na quarta-feira passada, a pedido dos próprios bancos, o Banco Central também ampliou de 50% para 60% a fatia de compulsórios que podem ser depositados em Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). Isso significa que 60% destes depósitos terão rendimentos atrelados à Selic (11% ao ano). Em julho, o BC havia determinado que 50% da parcela de depósitos a prazo recolhida, ou 20% do total dos depósitos, não teria mais a remuneração pela Selic.

Agora, os bancos também poderão comprar LFTs com a parcela de recursos dos depósitos a prazo que ficaria sem rendimentos. É uma forma de remunerar uma fatia dos valores que ficariam retidos junto ao Banco Central e também de reforçar um mercado cativo para estes papéis do tesouro.

O fato contribui para que os bancos de maior porte e volume financeiro obtenham condições de captação mais baratas. Na avaliação da conselheira do Corecon-RS, a economista Simone Magalhães, com isso, os CDBs tendem a sofrer um novo revés, em função do maior custo associado à emissão. Segundo ela, a migração também ocorre em razão do recolhimento de IR sobre os rendimentos nas operações de CDB. “As Letras Financeiras são instrumentos de captação de menor custo efetivo, uma vez que possuem isenção de compulsório, de contribuição ao FGC ou de tributos”, garante.

Para chegar a uma noção exata dos efeitos acumulados nos últimos anos, os estoques de CDB registrados na Cetip, no fechamento de 2010, atingiam o patamar de R$ 853,5 bilhões, enquanto a soma de todos os demais instrumentos alternativos não ultrapassava os R$ 93 bilhões. Em menos de quatro anos, com base no relatório divulgado em julho, os estoques de CDBs caíram 35% para cerca de R$ 553,4 bilhões. Já o resultado da soma entre LFs, LCIs, LCAs e DPGEs avançou mais de 400%, para R$ 507,7 bilhões. As LFs, apesar de demandarem um investimento mínimo de R$ 150 mil, ao contrário do CDB (R$ 1 mil), puxam a evolução, passando de R$ 31 bilhões, em 2010, para R$ 325,4 bilhões no mês passado. Neste contexto, há uma ressalva, pois a legislação permite que sejam registrados apenas as emissões de CDBs acima de R$ 50 mil.

Mesmo assim, conforme explica o sócio da Veirano Advogados Fernando Verzoni, pelo viés do banco emissor, os atrativos contemplam as estratégias de alteração do perfil das dívidas de curto para longo prazo. “Além de não ter o compromisso dos compulsórios, em uma operação de dois anos, a instituição não será chamada a devolver este recurso, ao contrário do que acontece com o CDB, que possui liquidação diária. Isso flexibiliza as estratégias de financiamentos dos bancos”, destaca.

Os bancos pequenos ainda costumam pagar aos investidores um percentual maior do certificado de depósitos interbancários (CDI), utilizado como indexador dos papéis. Enquanto os bancos maiores oferecem no máximo 104% do CDI, os de menor porte precisam premiar o risco pagando até 110% do CDI. “No CDB, para atingir a mesma remuneração, é preciso dispor de grandes valores. Mesmo assim, ainda é difícil obter o mesmo retorno”, comenta Verzoni.

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