quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O que estudam os novos economistas



Educação na pré-escola, crime, saúde e informalidade são alguns dos temas que estão no radar dessa nova geração de economistas listada pela Folha de São Paulo. 

A seguir um pouco sobre o que estudam, o que pensam sobre trabalhar no governo e sobre os atuais problemas do país:

Estudos sobre a informalidade no mercado de trabalho acompanham o economista Gabriel Ulyssea desde o mestrado, na PUC-Rio. No ano passado, sua tese de doutorado (também sobre o tema) foi premiada pela Anpec (associação que reúne alunos de pós-graduação em economia). Concluiu os estudos na Universidade de Chicago, orientado pelo Prêmio Nobel James Heckman. Aos 34 anos, Ulyssea tem uma vivência de governo que o diferencia dos economistas de sua idade. Participou da formulação do Fundeb (fundo que provê recursos para o pagamento de professores do ensino básico), quando o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ainda era secretário de Tarso Genro, então ministro da Educação. "Foi interessante ver a política sendo feita", diz. "É a maneira mais direta de impactar a realidade. Isso me motiva muito."
Entrou para o Ipea (instituto governamental de pesquisa econômica) e foi trabalhar com Ricardo Paes de Barros, referência nos estudos sobre desigualdade. Em 2006, escreveu capítulos e ajudou Paes de Barros a organizar o livro "Desigualdade de Renda no Brasil: uma Análise da Queda Recente", reunião dos principais estudiosos do tema no país. Isso tudo antes dos 27 anos, quando partiu para a Universidade de Chicago. Estudou como a informalidade afeta a rotina das empresas.
Constatou que a redução dos impostos na folha de pagamentos pode aumentar a formalização das empresas, mas pouco afeta a vida dos trabalhadores. "Com o ganho de margem, elas podem contratar mais funcionários informais e há pouco impacto sobre os salários."

Monica Baumgarten de Bolle tem se destacado no debate público no país. Herdou o interesse pela economia do pai, Alfredo Luiz Baumgarten, ex-presidente da Finep, morto em 1990.Depois do doutorado, foi trabalhar no FMI, no qual desenvolveu na prática seu interesse teórico por crises financeiras.Estava no Fundo quando a Argentina entrou em default, em 2001. Antevendo os efeitos no Uruguai, pediu que ficasse responsável pelo país, que despertava pouco interesse na época.Quando estourou a crise uruguaia, de Bolle foi uma das principais responsáveis pela bem-sucedida reestruturação da dívida do país, que serviria mais tarde de modelo para o caso da Grécia. "Quando começou a crise, pensei: 'Que maneiro, lá vou eu'." Seu chefe era Tim Geithner, posteriormente secretário do governo Obama. De volta ao Brasil, passou pelo mercado financeiro e foi trabalhar com Dionísio Carneiro na Galanto. Depois da morte de Carneiro, assumiu a consultoria e dá aulas na PUC-Rio.

O que mais preocupa o economista Bernardo Guimarães, 41, é o Brasil estar entre os piores do mundo para fazer negócios. O mais recente "Doing Business", do Banco Mundial, colocou o país em 116º entre 189 economias."A inflação chegar a 6,5% não é uma tragédia. O pior é não termos, há anos, reformas que melhorem o ambiente de negócios", diz. "O que faz diferença em uma economia é produzir e contratar."Em 2003, escreveu um artigo com Nouriel Roubini sobre países que recebem ajuda do FMI.Depois de lecionar por seis anos na London Business School, decidiu voltar ao Brasil. Não tem pretensão de trabalhar no governo. "Eu sinto que ajudo mais o país ensinando as pessoas."Economista de linha ortodoxa, diz que o termo não faz jus a pesquisadores como ele. "Ninguém quer reproduzir o passado, a ortodoxia. Queremos superá-la."Dedica-se atualmente a pesquisar a relevância das instituições no desenvolvimento e a relação entre as expectativas e o desempenho econômico.

Estudar eventos que aparentemente nada têm a ver com economia é a rotina de João Manoel Pinho de Mello, 40. Em seus artigos recentes, há medições sobre os efeitos do Bolsa Família nos índices de criminalidade, do desarmamento nos homicídios e até do tempo de exposição na TV, no horário eleitoral, no sucesso dos candidatos nas eleições.Sua área de atuação é a economia aplicada às ciências sociais. Atualmente, avalia se reduz a violência o fechamento dos bares às 23h, como manda a lei em algumas cidades do interior paulista."Minha área não existia no passado. Todos os economistas estudavam inflação; esse tema sugou a energia de duas gerações. Estudos voltados para assuntos como crime, saúde, economia bancária não existiam."Em trabalho sobre concorrência, uma de suas especialidades, analisou as consequências da atuação dos bancos públicos no mercado. Constatou que eles tendem a "expulsar" os privados de alguns nichos, o que reduz a competição. "O que indica que a atual ação dos bancos públicos não é muito alvissareira."

Professor e pesquisador, diz ter vontade e trabalhar no governo, "mas depende dos termos". "Se é para aprovar políticas que eu considero fracassadas, não. Mas, se for possível ter um debate inteligente, eu iria", afirma. Mello se intitula um economista "mainstream" e afirma que não entende muito os heterodoxos. "A imperfeição dos mercados está descrita no 'mainstream' há 70 anos."

Carlos Eduardo Gonçalves, 40, se dedica ao estudo da macroeconomia, mas com "cara de microeconomia", como diz. O que significa estudar os grandes movimentos econômicos, como taxa de juros e inflação, atento a evidências, causas e consequências.O objetivo é investigar pensamentos aparentemente consensuais, como se o dólar alto ajuda a indústria ou se economias abertas têm mais investimentos. Em artigo publicado em 2008 com o economista João Moreira Salles demonstrou que, em 36 economias que adotaram o regime de metas, a inflação e a volatilidade do PIB se reduziram.O economista prefere a coluna do meio quando o debate ruma para o confronto entre ortodoxos e heterodoxos. "A ortodoxia do mercado financeiro não entende as falhas de mercado. A inflação baixa nem sempre é boa, na Europa ela é ruim agora. Às vezes o governo tem que intervir na economia", afirma. "Mas não existe tese sem estatística, sem modelo. Não aceito a heterodoxia do blá-blá-blá."Já escreveu dois livros de economia para não economistas. E prepara um terceiro, em parceria com Bruno Giovannetti, da USP, com verbetes econômicos e financeiros, que deve se chamar "Econopédia". É autor, com outros economistas, do blog "Economista X".

A lembrança da hiperinflação e a mudança na realidade provocada pelo Plano Real fizeram André Modenesi, 38, interessar-se pela economia. Com pós-graduação em ciências sociais, seu olhar, porém, foi moldado para a observação das pessoas.Macroeconomista de orientação heterodoxa, foi influenciado por pesquisadores de John Maynard Keynes, como Fernando Cardim, na UFRJ. Mas isso não quer dizer que rejeite a estatística, contrariando os críticos dessa escola, que dizem que ela é divorciada da matemática."A economia não é uma ciência 'dura' como a física. Mas eu me preocupo em buscar regularidades empíricas", diz. "A diferença é a maneira de olhar." Durante o doutorado passou um ano estudando com o americano Werner Baer, brasilianista na Universidade de Illinois."Fiz uma opção, a falta de conexão com a realidade torna a ortodoxia muito abstrata. Isso me incomoda", afirma. "Em geral os modelos estão precisos, mas a hipótese básica não faz sentido."Atualmente, estuda os mecanismos de funcionamento do sistema de metas de inflação e quais os custos entre escolher mais juros ou menos inflação. "Não quero que a inflação volte, eu estudo isso há anos. Mas isso não impede que se façam balanços de custos e benefícios da política." Considera que o modelo adotado no Brasil desde 1999 não tem obtido êxito porque os canais de comunicação do Banco Central com a realidade de empresas e consumidores emperraram no sistema bancário.

Como um cientista, Marcelo Fernandes, 41, afirma que busca isolar os problemas econômicos para descrevê-los e analisá-los com rigor. A lente do economista são modelos matemáticos sofisticados. "Em vez de pensar na pergunta e buscar os dados, encontre os dados e pense em quais perguntas pode fazer", afirma. Dessa maneira, ele passou seis anos fazendo um estudo teórico que buscava testar a assimetria em uma distribuição, estatística pura. Depois disso, decidiu se reconciliar com dados reais. É considerado um dos nomes mais promissores da econometria (estatística aplicada à economia) voltada às finanças.
Prepara um estudo, com Walter Novaes, da PUC-Rio, que busca estimar como a interferência do governo afetou as ações de empresas com participação estatal, mesmo minoritária. Constatou que os papéis com direito a voto (ON), normalmente mais valiosos, perderam vantagem sobre as demais ações. "Houve uma expropriação dos sócios com direito a voto", diz. De linha ortodoxa, diz que a contraposição com heterodoxos é debate que hoje só se encontra no Brasil.

O economista Flávio Cunha tem contribuído para pesquisas que mostram que boa parte da defasagem de desenvolvimento cognitivo existente entre jovens de famílias de baixa renda e aqueles com maior poder aquisitivo é gerada ainda na infância.Publicou importantes estudos sobre esse tema em coautoria com o Prêmio Nobel James Heckman, um dos economistas que Cunha mais admira. Professor-assistente da Universidade da Pensilvânia, Cunha tem no capital humano seu principal foco de estudo: "O capital humano de um país determina, em parte, o potencial de crescimento de longo prazo de sua economia", afirma. "O conhecimento, a experiência, as habilidades, a personalidade e até mesmo a saúde física e mental que uma pessoa possui são exemplos de diferentes componentes do seu capital humano." Com base nos resultados de sua pesquisa e de outros economistas que estudam o mesmo tema, Cunha defende uma atenção maior das políticas públicas à pré-escola. Como outros economistas de sua geração, diz que não pensa na divisão de sua área em termos de ortodoxia e heterodoxia. Vê com otimismo o amplo debate na sociedade brasileira sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação. Mas se preocupa com o pouco esforço para a coleta de dados necessários para a compreensão do que é necessário para essa empreitada.
Seus planos incluem aumentar sua participação científica no Brasil, já que boa parte do que pesquisa atualmente é baseada em dados dos EUA. "Gostaria de coletar dados,
estudar e implementar programas que venham a melhorar o desenvolvimento de capital humano no Brasil."

O nível de criminalidade, a qualidade da saúde pública e as tendências demográficas têm forte impacto no desenvolvimento de um país. A interação entre esses fatores e sua influência na produtividade da mão de obra são alguns dos objetos de estudo de Rodrigo Soares, um dos economistas brasileiros com maior número de pesquisas publicadas. Atualmente professor da FGV-SP, Soares deu aula anteriormente na Universidade de Maryland e na PUC-Rio, depois de cursar doutorado em Chicago. Diz ter encontrado um país diferente, melhor, quando voltou dos EUA, em 2005. "Eu percebi um progresso grande em áreas como saúde e educação, com queda da mortalidade infantil e aumento das matrículas no ensino básico." Mas acredita que, desde a década passada, o processo de melhorias estancou ou regrediu. "Acho que a política pública baseada em evidência, em entender o que estava acontecendo, que prevaleceu de meados dos anos 1990 a 2000, foi um pouco deixada de lado." Soares diz que gostaria de participar de um governo no futuro, embora não tenha isso como ambição ou objetivo. Para ele, as tentativas de tratar a economia de forma ideológica afetam o debate acadêmico de forma negativa no Brasil. "Acho que o debate seria mais produtivo se fosse focado em tentar entender políticas boas e ruins, com base em evidências."

Orientado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga no mestrado e pelo Nobel de Economia Christopher Sims no doutorado, Tiago Berriel, 33, dedica-se a analisar os efeitos das políticas monetária e fiscal. Professor da PUC-Rio e responsável pela análise macroeconômica da gestora Pacífico, Berriel diz que sua formação é considerada tão ortodoxa que ele "nem sabe direito o que é o outro lado". Tem interesse por questões como a independência do BC e os custos da política monetária. Concluiu há pouco uma pesquisa em coautoria com Eduardo Zilberman sobre os efeitos macroeconômicos do Bolsa Família, avaliando seu impacto sobre a pobreza, a desigualdade de renda e a oferta de mão de obra. "O Bolsa Família é uma decisão de política fiscal, por isso seus efeitos me interessam." A recente deterioração das contas do governo o preocupa atualmente. Seu temor é que o mercado passe a apostar que a situação fiscal vai piorar. Isso pode levar a uma forte desvalorização da moeda, com impacto negativo sobre a inflação, forçando o BC a elevar os juros: "Essa é uma situação que pode ocorrer mesmo quando o país está com um nível de endividamento razoável, que é o caso do Brasil, mas a boa notícia é que não é difícil de consertar".
Diz que não tem como meta a vida pública, mas gosta do debate de ideias. "No fim, o objetivo das pesquisas é influenciar a formulação de políticas e o debate."

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